MOTA MEDICINA E SAÚDE

USO DE ANTIRRETROVIRAIS NO PERÍODO GESTACIONAL, SEUS IMPACTOS E A PREVENÇÃO DA TRANSMISSÃO VERTICAL DO HIV

REVISÃO SISTEMÁTICA

HEALTH

PAULO PEREIRA MOTA NETO; VALMARI FELIX DE SOUZA

12/7/202323 min ler

RESUMO

Introdução: A terapia antirretroviral (TARV) é um direito oferecido pelo SUS para todas as gestantes soropositivas para o HIV, tornando-se eficiente no que tange a prevenção da transmissão vertical. Objetivo: buscar na literatura de que maneira o uso da terapia pode impactar a saúde da gestante e do concepto, quais são as medidas adotadas no país para a prevenção da transmissão vertical. Metodologia: Trata-se de um estudo descritivo, com coleta retrospectiva de dados, por uma revisão do tipo narrativa, por meio de artigos e publicações encontradas na base de dados SCIELO, LILACS, do PubMed, MEDLINE, publicações institucionais do Ministério da Saúde e artigos da Sociedade Brasileira de Infectologia com abrangência temporal de 2011 a 2021. Considerações finais: É notório que todo fármaco independente da sua a origem, seja alopática ou fitoterápico traz reações adversas ao organismo. Da mesma maneira, os antirretrovirais prescritos para terapia de mulheres soropositivas para o HIV, no período gestacional podem sim, causar reações indesejáveis. Contudo, os benefícios da TARV superam incontestavelmente todos os efeitos colaterais oriundos dos antirretrovirais e até um momento não há nenhuma outra forma eficaz e segura para prevenção da transmissão do HIV da mãe para o filho.

Palavras-chave: Gestantes HIV soropositivas, transmissão vertical e terapia antirretroviral.

ABSTRACT

Introduction: Antiretroviral therapy (ART) is a right offered by the SUS to all HIV-positive pregnant women, making it efficient in terms of preventing vertical transmission. Objective: search in the literature how the use of therapy can impact the health of the pregnant woman and the fetus, what are the measures adopted in the country for the prevention of vertical transmission. Method: This is a descriptive study, with retrospective data collection, through a narrative-type review, through articles and publications found in the SCIELO, LILACS, PubMed, MEDLINE databases, institutional publications of the Ministry of Health and articles from the Brazilian Society of Infectology with temporal coverage from 2011 to 2021. Final considerations: It is notorious that every drug, regardless of its origin, whether allopathic or herbal, brings adverse reactions to the body. Likewise, the antiretroviral drugs prescribed for the therapy of HIV-seropositive women during the gestational period can indeed cause undesirable reactions. However, the benefits of ART indisputably outweigh all the side effects arising from antiretroviral drugs and so far there is no other effective and safe way to prevent the transmission of HIV from mother to child.

Keywords: HIV-seropositive pregnant women, vertical transmission and antiretroviral therapy.

INTRODUÇÃO

A AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) é um dos principais problemas de saúde pública e uma questão epidemiológica prioritária no Brasil e no mundo.1 Foi no contexto social da década de 1980, que surgiu a infecção pelo HIV/AIDS. O aparecimento da infecção e sua trajetória inicial estiveram de forma geral afastados das mulheres, porém chegaram a estas em curto período de tempo.2

A primeira definição de caso da AIDS foi publicada no MMWR (Morbidity and Mortality Weekly Riport), em setembro de 1982, baseada exclusivamente na presença de infecções oportunistas, quando ainda não se dispunha de um teste que identificasse a presença do HIV.3

A epidemia global de AIDS teve seus primeiros casos relatados na literatura médica no início de 1981, nos EUA. Mais de três décadas após, o número de doentes infectados pelo HIV

em todo o mundo ultrapassou 35 milhões em 2012.3 Contudo, há cerca de 38 milhões (31,6 milhões a 44,5 milhões) de pessoas em todo o mundo vivendo com HIV até o fim de 2019.4

Toda mulher grávida deve realizar o teste para HIV na primeira consulta de pré-natal, caso o resultado for reagente para HIV, a gestante deve ser encaminhada para o pré-natal em serviços especializados para acompanhamento.5

A Terapia Antirretroviral Combinada (TARV) está indicada para toda gestante infectada pelo HIV, independente de critérios clínicos e imunológicos, e não deverá ser suspensa após o parto, independentemente do nível de LT-CD4+ no momento do início do tratamento.6 O objetivo da TARV é manter a Carga Viral indetectável durante todo o período gestacional.5

De acordo com o Ministério da Saúde7, é recomendado o uso de TARV na gestante e no recém-nascido, indicação do parto cesáreo em mulheres com carga viral (CV) desconhecida ou maior que 1.000 cópia/mL após 34 semanas de gestação e a não amamentação, como estratégias para a redução da transmissão vertical do HIV. Ademais, as gestantes com CV-HIV menor que 1.000 cópias/mL, porém detectável, pode ser realizado parto vaginal, desde que não haja contraindicação obstétrica. Assim como, é indicado que a parturiente receba zidovudina (AZT) intravenoso.

Para mulheres que tenham HIV e planeja a gestação, com orientação médica, que realizam as intervenções corretamente durante o pré-natal, é possível ter o parto com risco de transmissão vertical do HIV reduzido para menos de 2%. Porém, sem o planejamento e seguimento, este risco pode variar de 15% a 45%.8

A Terapia Antirretroviral (TARV) é um direito, ofertado pelo Sistema Único de Saúde do Brasil, para todas as mulheres grávidas soropositivas para o HIV. Tal garantia, mostra-se eficiente no que tange a transmissão vertical. Sendo assim, o interesse pela pesquisa, ocorreu no intuito de buscar na literatura de que maneira o uso da terapia pode impactar a saúde da

gestante e do concepto, quais são as medidas adotadas no país para a prevenção da transmissão vertical e qual a melhor abordagem terapêutica e seguimento dessas gestantes.

Neste sentido, o presente estudo tem por objetivo avaliar os impactos causados pelo uso de antirretrovirais em mulheres no período gestacional, bem como a prevenção da transmissão vertical do HIV e verificar quais os efeitos gerados na mulher gestante que fez o uso de antirretrovirais em todo período gestacional e observar os manejos e cuidados durante o parto no intuito de evitar a transmissão via perinatal, através de uma revisão narrativa.

METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão sistemática, construída de acordo com as recomendações do PRISMA, sobre o uso de antirretrovirais durante a gestação, seus impactos e a prevenção da transmissão vertical do HIV.

Os dados foram coletados por meio da seleção de artigos científicos em periódicos indexados nos bancos de dados da Scientific Electronic Library Online (SciELO), da Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), do PubMed, no National Library of Medicine (MEDLINE) e publicações institucionais do Ministério da Saúde e artigos da Sociedade Brasileira de Infectologia.

Como critérios de elegibilidade, foram incluídos artigos científicos nacionais e internacionais que estejam indexados em alguma das plataformas indicadas acima, nos idiomas português ou inglês, além de publicações do Ministério da Saúde; todos os trabalhos que compreendem os termos das palavras-chave utilizadas; todos artigos e documentos institucionais, publicados no período de 2011 a 2021.

Como estratégia de busca, foram considerados todos os documentos contendo a combinação dos seguintes termos: HIV and pregnant women; vertical transmission; antiretrovirals and pregnancy.

RESULTADOS

Foram recuperados 2.855 artigos, distribuídos nas plataformas SciELO – 445; LILACS – 563; PUBMED - 1.722 e MEDLINE – 125. Destes, 2.431 foram excluídos após a seleção de títulos e resumos. Totalizou 424 artigos completos avaliados com elegibilidade, sendo 187 excluídos por apresentarem em duplicidade. Foram selecionados 237 artigos relacionados ao HIV e Gestantes, destes 199 excluídos por ilegibilidade, finalizando com 38 trabalhos completos relacionados diretamente ao HIV, Gestantes e Transmissão Vertical, dos quais foram sintetizados e incluídos na revisão sistemática (Figura 1).
Figura 1. Fluxograma da seleção dos artigos (revisão sistemática).

Uso de Antirretrovirais em Mulheres no Período Gestacional

O diagnóstico para o vírus HIV em mulheres no período gestacional impõe diversos desafios para a saúde da gestante e sua família, sendo o mais proeminente os esforços para prevenir a transmissão materno-infantil do vírus. E, a adesão à terapia antirretroviral durante a gravidez com o intuito para obter a redução da carga viral. A melhor opção para o tratamento de gestantes infectadas pelo HIV é o uso da TARV.3

Os portadores de HIV iniciam seus tratamentos no Sistema Único de Saúde (SUS) através da Assistência da Estratégia da Saúde da Família (ESF) e esta, por sua vez, coordena todos os cuidados prestados e o encaminhamento do paciente a uma unidade de referência para aconselhamento, acompanhamento e controle da infecção de forma integral e resolutiva.11 As gestantes soropositivas devem ser orientadas e referenciadas ao pré-natal de alto risco ou Serviço de Assistência Especializada (SAE) para o acompanhamento durante todo o período pré-natal por um infectologista e obstetra capacitados em paciente com HIV.12

Diagnóstico positivo de HIV conduz a equipe a discutir o uso de terapia antirretroviral para a mãe e, imediatamente ao nascimento, para a criança, planejando um nascimento vaginal e/ou parto cesáreo (caso seja indicado) e aconselhamento a não amamentação para reduzir o risco de TV (Transmissão Vertical).13

No Brasil, a Terapia antirretroviral (TARV) preconizada pelo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Prevenção da Transmissão Vertical do HIV, Sífilis e Hepatites Virais (PCDT/MS) recomenda para toda gestante infectada pelo HIV, livre de critérios clínicos e imunológicos, e não deverá ser suspensa após o parto, independentemente do nível de LT- CD4.12

Atualmente, seis classes de drogas antirretrovirais estão disponíveis para o tratamento das Pessoas Vivendo com HIV/Aids (PVHA): Inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos e nucleotídeos (ITRN/ITRNt); Inibidores da transcriptase reversa não análogos de

nucleosídeos (ITRNN); Inibidores de protease (IP); Inibidores da integrase (INI); Inibidores de fusão (IF) e Inibidores do correceptor CCR5.3,14

No início da década de 1990, era administrada a monoterapia com Zidovudina (AZT) para prevenção da transmissão vertical do HIV. Todavia, os esquemas antirretrovirais usados atualmente, evoluíram desde o primeiro ensaio bem-sucedido que utilizou a profilaxia de zidovudina com um único fármaco em 1994.15

Ainda que, nos dias atuais, o esquema utilizado é a Terapia Antirretroviral Combinada (TARC). No Brasil, o esquema inicial preconizado pelo Ministério de Saúde (MS) deve ser preferencialmente a combinação de dois ITRN/ ITRNt – Lamivudina (3TC) e Tenofovir (TDF) associados ao inibidor de integrase (INI) – dolutegravir (DTG). Além disso, é recomendado sempre que possível que a zidovudina (AZT), deve fazer parte de qualquer combinação terapêutica. Exceção a esse esquema deve ser observada para os casos de coinfecção tuberculose com HIV (TB-HIV), Mulheres vivendo com HIV (MVHIV) com possibilidade de engravidar e gestantes.12

Porém, o Ministério da Saúde do Brasil indica a genotipagem pré-tratamento para todas as gestantes infectadas pelo HIV, de forma a orientar o esquema terapêutico. Também deve ser considerada uma prioridade na rede de assistência, uma vez que a escolha de um esquema antirretroviral eficaz tem impacto direto na TV do HIV. Portanto, cabe destacar que o início do tratamento não deve ser retardado pela espera do resultado desse exame.8

Segundo Fowler e colaboradores,15 apesar de haver benefícios com a terapia antirretroviral combinada (TARV) para a mãe e o bebê, eles apresentam riscos; alguns estudos mostraram taxas mais altas de resultados adversos da gravidez com ART materna do que com regimes contendo menos agentes antirretrovirais.

De acordo com Friedrich,16 o inicio de terapia ARV precoce para todas as gestantes infectadas tem o potencial de melhorar substancialmente a saúde materna e a sobrevida, além de tornar a TV um evento raro.

Transmissão vertical

Sem tratamento, a TV do HIV ocorre em cerca de 25% dos casos. Aproximadamente 75% das transmissões ocorrem no período periparto e 25% no período intrauterino. O risco é acrescido de 14 a 29 % pela amamentação.3

Segundo Kumar e colaboradores17, a transmissão vertical de agentes infecciosos da mãe para o feto ou recém-nascido é um modo comum de transmissão de certos patógenos, e pode ocorrer através de várias rotas diferentes. O HIV pode ser passado da gestante para o feto através da transmissão placenta-fetal, durante o nascimento e pós-natal no aleitamento materno.18

O HIV pode ser transmitido dentro do útero pelo transporte celular transplacentário, por meio de uma infecção progressiva dos trofoblastos da placenta até que o vírus atinja a circulação fetal, ou devido a rupturas na barreira placentária seguidas de microtransfusões da mãe para o feto.16

Transmissão transplacentária

O feto em desenvolvimento é mantido pela placenta, que se desenvolve a partir dos tecidos fetais e maternos. A placenta consiste em uma porção fetal, formada pelo cório, e em uma porção materna, formada pela decídua basal.19

A placenta e as membranas fetais separam o feto do endométrio, a camada interna da parede uterina. Uma troca de substâncias, tais como nutrientes e oxigênio, passam do sangue materno através das camadas de células das vilosidades para o sangue fetal, e os resíduos metabólicos. Embora, a placenta seja razoavelmente impermeável a microrganismos, vários

vírus e bactérias podem atravessá-la e infectar o feto. Como o feto não possui um sistema imunológico funcionando e sua proteção se baseia exclusivamente em anticorpos maternos, muitas vezes ele é inapto no combate a infecções.20,21,22 É o órgão responsável pelo sucesso gestacional, entretanto, seu papel na transmissão vertical do HIV-1 ainda está longe de ser completamente compreendido.22

Segundo Santiago,23 a gravidez humana é permeada por diversos mecanismos de adaptação para evitar a rejeição do feto, que, por se tratar de um tecido semialogênico, deveria ser rejeitado pelo sistema imunológico materno. A molécula HLA-G, presente na interface materno-fetal, apresenta uma característica imunossupressora. Contudo, o papel do HLA-G na placenta não está totalmente elucidado, mas parece atuar como substituto para moléculas clássicas da classe I, cuja função é inibir as respostas imunes contra os alelos MHC paternos apresentados pelo feto.24

A análise que o gene HLA-G possui em relação a sua expressão nos processos regulatórios da gestação, é de extrema importância, visto que o mesmo é expresso durante essa fase do organismo feminino.25

Para Delves e colaboradores,24 a expressão do HLA-G na interface entre placenta e trofoblasto materno parece constituir uma solução. A placenta expressa proteínas do MHC da classe I não clássicas, HLA-G, HLA-E e HLA-F nos trofoblastos, que podem atuar para inibir a citotoxicidade por células NK maternas, conferindo, assim, a proteção.

A molécula HLA-G, age proporcionando inibição contra a citotoxidade das células Natural Killer (NK) e linfócitos TCD8+ citotóxicos, conferindo efeito modulador benéfico à gestação. Dessa forma, devido a suas propriedades imunossupressoras, essa molécula pode estar envolvida na persistência e progressão da infecção pelo HIV-1.23 Além disso, Kumar et al. (2012), concluíram que os níveis elevados de citocina e quimiocina no plasma placentário foram associados com a transmissão MTF intrauterino e não intraparto. O IP-10, que é tanto

uma quimiocina de células T quanto um potencializador de replicação do HIV. Cabe destacar que estudos de placentas infectadas pelo HIV indicam que este se encontra principalmente localizado nas células apresentadoras de antígenos placentárias fetais e no sinciciotrofoblasto.19

Transmissão durante o nascimento

Trata-se da principal forma de TV, compreendendo cerca de 65% das infecções. Esse modo de transmissão é causado pelo contato com agentes infecciosos durante a passagem pelo canal do parto, e refere a exposição da mucosa do RN ao sangue materno e outras secreções infectadas durante a passagem do bebê pelo canal de parto.17,26

Vale ressaltar, que todas as gestantes devem receber, no dia do parto, o AZT IV, dose de ataque e doses de manutenção, conforme o esquema posológico da zidovudina injetável. Deverá ser iniciado três horas antes do início da cesárea, período necessário para se atingir a concentração intracelular adequada do medicamento e mantido até o clampeamento do cordão umbilical.8

Segundo Salomão,27 o parto prolongado, ruptura das membranas amnióticas por mais de 4 horas, carga viral no parto, corioamnionite histológica e prematuridade são fatores preponderantes para a TV. Contudo, análise multivariada com modelo que incluía esses fatores evidenciou que o mais importante preditor para a TV é a carga viral no momento do parto. Além disso, outros fatores de risco classicamente associados incluem: vaginose, sífilis, uso de drogas ilícitas, relações sexuais sem preservativo, prematuridade, baixo peso do recém-nascido, procedimentos obstétricos invasivos e parto vaginal operatório.28

De acordo com o protocolo do Ministério da Saúde (MS), gestantes soropositivas com carga viral desconhecida ou maior que 1.000 cópias/mL após 34 semanas de gestação, é escolhida por via de regra a cesárea eletiva na 38a semana de gestação por razão da diminuição do risco de transmissão vertical do HIV.8 Cabe salientar que a cesariana eletiva, por si só, reduz

a Transmissão Materno-Fetal (TMF) do HIV em 50% e, portanto, é indicada em todas as gestantes que chegam ao período periparto com cargas virais detectáveis.27

Para gestantes em uso de antirretrovirais e com supressão da carga viral do HIV, caso não haja indicação de cesárea, o parto normal é indicado. Além disso, em mulheres com carga viral menor que 1.000 cópias/mL, mas detectável, pode ser realizado o parto vaginal, se não houver contraindicação do obstetra.8

Infecção pós-parto através do aleitamento materno

A amamentação aumenta o risco de transmissão materno-fetal do HIV e deve, portanto, ser contraindicada na puérpera infectada.27

No que tange ao aleitamento materno há um risco de 30-50% de TV com o prolongamento da amamentação após o primeiro ano de vida do lactente. Alimentar o Recém- nascido (RN) como fórmula láctea até 6 meses de idade. Portanto, é recomendo pelo MS indicação da via de parto cesárea eletiva, em situações específicas, suspensão do aleitamento materno e garantir o acompanhamento necessário nos cuidados pós-parto.8,29

A transmissão do HIV por amamentação, comprovada por diversos estudos, representa um problema adicional de saúde pública para populações longamente atingidas pela fome. No Brasil, como em outros países do mundo, o aleitamento materno comprovou ser um importante fator de transmissão do HIV.3

O aleitamento misto também é contraindicado. Pode-se usar leite humano pasteurizado proveniente de banco de leite credenciado pelo MS (por exemplo, RN pré-termo ou de baixo peso). Se, em algum momento do seguimento, a prática de aleitamento for identificada, suspender o aleitamento e solicitar exame de CV para o RN.6

De acordo com Ribeiro-Fernandes,31 anteriormente ao MS adotar medidas profiláticas para a transmissão vertical, havia um grande dilema bioético relacionado ao tratamento de

gestantes portadoras do vírus da AIDS. A escassez de publicações dificultava a escolha de tratamento capaz de prevenir a transmissão vertical para os fetos, sem prejuízo para a mãe.

Acometimentos patológicos e alterações séricas bioquímicas

Lançar mão da TARV no período gestacional é de suma importância para evitar a TV. Contudo, existem muitos efeitos colaterais observados em gestantes como: anemia, trombocitopenia, alergia, alterações em testes de função hepática, dislipidemia e diabetes, porém isso está relacionado ao uso de TARV.11

Todavia, medicamentos antirretrovirais, como todos os medicamentos, estão associados a efeitos colaterais e toxicidade. Mas também a incidência de reações adversas em gestantes em uso de ARV para profilaxia da TV-HIV é baixa.8,32

De acordo com o Protocolo Clínico e Diretrizes Para a Prevenção da Transmissão Vertical de HIV, Sífilis e Hepatites Virais (PCDT), os efeitos adversos geralmente são transitórios e de intensidade leve a moderada, tanto nas gestantes quanto nas crianças.8

O MS recomenda que gestantes em início de tratamento ou após modificação de TARV deverão ter nova amostra de CV-HIV coletada em duas a quatro semanas. Deverão ser avaliadas quanto à adesão e interação medicamentosa e à efetividade dos ARV prescritos.8

O esquema de tratamento para as Gestantes Vivendo com HIV (GVHIV) preconizado pelo MS quando a mulher sem histórico de exposição prévia a TARV, preferencialmente para início no 1o trimestre (até 12 semanas de IG) é TDF/3TC/EFZ, caso a genotipagem pré- tratamento comprovar ausência de mutações para ITRNN. Ademais, caso a genotipagem não estiver disponível ou quando comprovar resistência transmitida a ITRNN, iniciar com TDF/3TC + ATV/r.33

O TDF da classe do ITRN/ITRNt, pode causar náuseas, riscos de toxicidade renal, lesão renal aguda e síndrome de Fanconi. Dessa forma, esse fármaco não deve utilizado se doença renal prévia, taxa de filtração glomerular menor que 60 mL/min ou insuficiência renal.8,34

A 3TC um ITRN/ITRNt, pode apresentar reagudização de hepatite em pacientes coinfectados com HBV que suspendem o fármaco, pode ocorrer pancreatite, cefaleia, tonturas, insônias e neuropatia periférica.8,27,34

De acordo com Veronesi; Focaccia,3 os eventos adversos mais comuns ao uso do EFZ da classe dos ITNN; são: distúrbios neurológicos, distúrbios do sono, rash e teratogenicidade.

O Atazanavir/ritonavir (ATV/r) um Inibidor de Protease reforçado com ritonarvir (IP/r) tem como efeitos adversos o aumento de bilirrubinas à custa de bilirrubina indireta com icterícia algumas vezes; nefrolitíase e perda de função renal (menos comum). Além disso, a sua passagem placentária é de aproximadamente 10% e seu risco fetal decorre do aumento da bilirrubina para RN.27,35

O esquema inicial preferencial para GVHIV a partir do 2o trimestre (a partir de 13 semanas idade gestacional) TDF+ 3TC+ Dolutegravir (DTG). O DTG antirretroviral pertencente a classe dos INI, tem como reações adversas insônia, cefaleia, náuseas, vômitos, rash, raros relatos de reação de hipersensibilidade, hepatotoxicidade e aumento das transaminases em pessoas coinfectadas com Hepatites virais.8,33,34

O uso de raltegravir (RAL) um INI, no esquema de ARV pode ser considerado em gestantes que iniciam o pré-natal ou o uso da TARV tardiamente (final do segundo trimestre), e que tenham contraindicação ao DTG. Entretanto, o RAL está associado a náuseas, cefaleia, diarreia, elevação de CK, fraqueza muscular, rabdomiólise. Relatos de casos de aumento de transaminases no terceiro trimestre da gestação.34,36

Outros antirretrovirais que são prescritos e/ou recomendados pelo MS como esquema alternativo são: a Zidovudina (AZT), o Abacavir (ABC), Nevirapina (NVP) e o Darunavir/ritonavir (DRV/r).36

A AZT é um ITRNt que pode ser utilizado em casos de contraindicação ao TDF. Apesar disso, o AZT é utilizada em profilaxia pós-exposição. Seu uso pode causar como reação adversa náuseas, anorexia, cefaleia, alterações no paladar, mal-estar, insônia, anemia, neutropenia e fadiga.32,33 Uso prolongado de AZT associa-se a toxicidade mitocondrial e com lipoatrofia periférica. Como pode ocorrer com os demais medicamentos desta classe, há relatos de casos de acidose lática associada ao uso de AZT.37

O ABC outro antirretroviral da classe dos ITRNt, tem como efeito adverso o surgimento de exantema e síndrome de Stevens Johnson, especialmente em portadores de HLA-B 5701 positivo que pode ser fatal.3,36

O NVP da classe dos ITRNN, tem como reação adversa exantema (7%), geralmente maculopapular, de tipo eritema multiforme; menos de 1% progride para Síndrome de Stevens- Johnson ou para necrólise epidérmica.33

O DRV/r antirretroviral da classe dos IP/r, pode apresentar como eventos adversos: exantema cutâneo, hiperlipidemia, náusea, cefaleia, hiperglicemia e disfunção hepática ocasional no início do tratamento.3,8,27,34

Dentre os acometimentos patológicos relacionados ao o uso da TARV em GVHIV é relevante destacar a lipodistrofia, ou lipoatrofia, síndrome é caracterizada por acúmulo de gordura na região dorsocervical ("giba"), aumento da circunferência abdominal e do tamanho das mamas, lipodistrofia de face, glúteos e de membros, ocasionando a proeminência das veias dos braços e pernas. Ressalta-se ainda intolerância à glicose ou diabete mellitus gestacional relacionados ao uso IP e a toxicidade mitocondrial.3

Para Salomão,27 os efeitos colaterais quanto ao uso dos IPs são também relativamente comuns alterações no metabolismo dos lipídios, com aumento de colesterol e triglicerídeos, e da glicose, com intolerância à glicose ou, mais raramente, até mesmo desenvolvimento de diabetes.

De acordo com Goldman; Ausiello,32 alterações morfológicas ocorrem e podem ser bastante angustiantes para os pacientes, incluindo lipoatrofia (perda de gordura na face e extremidades) associada a zidovudina e a lipoacumulação associada a alguns IP.

Veronesi; Focaccia,3 afirmam que o risco de DM e resistência à insulina é maior entre os infectados pelo HIV e em uso de TARV, comparado com controles não infectados pelo HIV.

DISCUSSÃO

A TARV é indica para toda gestante com diagnóstico para o HIV, o Sistema Público de Saúde (SUS) juntamente com SAE garante atenção especializada, prescrição e dispensação dos Antirretrovirais (ARV). O uso da TARV é primordial para a qualidade de vida da GVHIV, assim como a saúde do concepto no que diz respeito a TV. O tratamento pelo HIV com a TARV, melhorou dramaticamente o s desfechos clínicos e a expectativa de vida os pacientes, tornando- se um dos mais significativos exemplos de desenvolvimento bem-sucedido de drogas na história recente da medicina.3

O MS recomenda a genotipagem virial como pré-tratamento para o início adequado da terapia. Contudo, o tratamento é iniciado imediatamente, pós diagnóstico sem o resultado da genotipagem. O teste de genotipagem deverá ser imediatamente solicitado. Após essa conduta, deve-se introduzir a TARV. No entanto, não se pode retardar o início do tratamento em função da espera por esses exames. A realização de genotipagem para gestantes deve ser considerada uma prioridade na rede de assistência, uma vez que a escolha de um esquema antirretroviral eficaz tem impacto direto na TV do HIV.33,35

Cabe salientar, que a importância da genotipagem sugere direciona a escolha do fármaco, tento em vista que permite detectar a ocorrência de resistência genotípica do HIV- 1aos antirretrovirais e selecionar a terapia de resgate mais adequada aos pacientes atendidos pelo SUS.3

A infecção pelo HIV/aids constitui um dos mais sérios problemas de saúde pública mundial. Além disso, a prevenção TV HIV é um grande desafio para a saúde pública do Brasil, visto que fatores como: baixa escolaridades das gestantes, barreira social e econômica pode interferir na adesão do regime terapêutico.38 Assim sendo, Langendorf e colaboradores,39concluem que a baixa escolaridade das MVHIV tem íntima relação com a baixa adesão ao acompanhamento da sua condição clínica e obstétrica, destaca ainda a relevância da qualificação dos profissionais para realização do aconselhamento e que interfere positivamente na adesão ao tratamento, e é percebido pelas mulheres como de extrema relevância.

Em resumo, as gestantes não compreendem claramente o HIV/AIDS, suas formas de transmissão, exames e tratamento, demonstrando a necessidade de melhoria do processo de educação em saúde, para assim diminuir os agravos referentes a doença no período gestacional e parturitivo.40

A concordância ao tratamento antirretroviral na gestação – que leva a redução da carga viral – resultando na medida de maior impacto para a prevenção da infecção pediátrica,40. Por outro lado, o manejo da prevenção da TV-HIV é influenciado por fatores sócio-demográficos já́ que podem favorecer ou não a adesão a TARV, a profilaxia adequada e o monitoramento da CV-HIV – fatores de proteção para a criança.8,38

A TV pode ocorrer basicamente por três vias: intrutero (transplacentária), durante o parto e pelo aleitamento. A contaminação via tansplacentária gera controvérsia entre autores e publicações. Pois, Delves e colaboradores,24 afirma que molécula HLA-G, expressa entre placenta e trofoblasto materno, apresenta uma característica imunossupressora que age

proporcionando inibição contra a citotoxidade das células NK (materna) e linfócitos T citotóxicos, conferindo efeito modulador benéfico à gestação. No entanto, devido a suas propriedades imunossupressoras, essa molécula pode estar envolvida na persistência e progressão da infecção pelo HIV-1.23

Não obstante, SCHOENWOLF e colaboradores,41 afirma que o HIV, por vezes, pode atravessar a placenta da mãe infectada para infectar o feto. Entretanto, o mecanismo pelo qual o vírus é capaz de violar a barreira placentária e as consequências da infecção viral placentária não estão completamente elucidados.22 Portanto, segundo Moore; Persaud; Torchia,20 indivíduos saudáveis mostrando perda bialélica de HLA-G1 foram identificados, indicando assim que o HLA-G não é essencial à sobrevivência fetoplacentária; as células humanas Citotrofoblasto Extraviloso (EVT) mostram-se vulneráveis à morte mediada pela célula NK; e a hipótese não explica porque o HLA-C, um antígeno polimórfico, também expresso pelas células EVT, não evoca uma resposta de rejeição local.

De o acordo com o MS,36 a via de parto vaginal é sempre indicada, desde que as gestantes apresentem CV-HIV abaixo de 1.000 cópias/mL, mas detectável, e que não tenha nenhuma contraindicação obstétrica. Além disso, a episiotomia pode ser realizada, caso haja necessidade. O parto natural traz algumas vantagens, tanto para a mãe quanto para o bebê, incluindo recuperação mais rápida, ausência de dor no período pós- parto, alta precoce, menor risco de infecção e de hemorragia.42

A OMS recomenda a taxa ideal de cesárea entre 10% e 15% e que o parto cesariano é uma intervenção cirúrgica, segundo as normas do Ministério da Saúde, e que, portanto, somente pode ser prescrito em situações nas quais o parto normal não seja mais o recomendado.8

Dessa forma, é importante salientar que mediante o trabalho de parto as condições para a infusão do AZT intravenoso precisam estar favoráveis no momento em que a parturiente

chegar ao serviço especializado já em trabalho de parto, como preconiza o protocolo estabelecido, além manter a infusão até a ligadura do cordão umbilical.33

Vale ressaltar que o protocolo atual não aborda de maneira concisa como seria o procedimento dessas parturientes em condições desfavoráveis, já em trabalho de parto.

A TARV é considerada um marco no tratamento para os portadores do HIV, suprimiram marcadamente a atividade virótica a partir da sua inserção, culminando com a redução de morbimortalidade de PVHIV, bem como o aumento da qualidade e expectativa de vida. Embora, existam benefícios claros da TARV para mãe e o bebê, eles apresentam riscos como uma variedade de anormalidades metabólicas relacionadas ao tratamento.3 Porém, os benefícios sempre superam os potenciais efeitos adversos.15

De acordo Moura e colaboradores,11 existem muitos efeitos colaterais observados em gestantes como: anemia, trombocitopenia, alergia, alterações em testes de função hepática, dislipidemia e diabetes, porém isso está relacionado ao uso de TARV.

Barros e colaboradores,43 concluem que há associação entre o uso de IP e o metabolismo inadequado de carboidratos. Entretanto, os estudos se mostraram inconclusivos quanto à associação entre o uso de IP na gestação e o desenvolvimento de diabetes gestacional. Ademais, caso seja necessário o uso do IP no tratamento da gestante, torna-se plausível a monitorização mais cuidadosa da glicemia durante a gestação.

Independente da faixa etária dos portadores ou gestantes com o vírus Moura,44 conclui que os tratamentos utilizados para a doença ainda apresentam muitos efeitos colaterais. Além disso, a escolha da TARV ideal para mulheres, deve-se considerar a compatibilidade dos ARV com contracepção, gravidez, presença de comorbidades e estratégias de prevenção ao HIV, individualizando sempre cada escolha.45

Entres as alterações séricas relevantes observadas nas GVHIV em uso de IP é a hiperlipidemia. A hipótese é que os IP inibem a CRABP-1 modificada e a síntese mediada pelo

citocromo P-450 (CYP), elevando a taxa de apoptose dos adipócitos, reduzindo a diferenciação em pré-adipócitos e tendo como efeito final a redução do armazenamento dos triglicerídeos e maior liberação de lipídeos.3

Segundo Souza Neto e colaboradores,46 ocorreu incremento dos níveis séricos do Colesterol Total (CT) e do LDL-c, ao longo do primeiro ano após o início da TARV. Reforçando a necessidade do delineamento de estratégias de acompanhamento e controle não só da infecção pelo HIV, como também da dislipidemia e do risco cardiovascular desses pacientes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É notório que todo fármaco, independente da sua origem, seja alopática ou fitoterápico, traz reações adversas ao organismo, fato conhecido desde a Antiguidade; Homero (na Ilíada) alertava que a mistura de drogas poderia causar danos à saúde. Da mesma forma, os antirretrovirais prescritos para terapia de mulheres soropositivas para o HIV, no período gestacional, podem sim causar reações indesejáveis. Contudo, os benefícios da TARV superam incontestavelmente todos os efeitos colaterais oriundos dos antirretrovirais. Cabe destacar que até o momento não há nenhuma outra forma eficaz e segura para prevenção da transmissão do HIV da mãe para o filho.

Ressalta-se ainda, que os efeitos colaterais relacionado ao uso da TARV são raros, descritos na literatura que só observados de forma relevantes em paciente que faz uso prolongado e portadores de comorbidades como Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), obesidade e em uso de IPs o que pode progredir para o surgimento de doenças cardíacas e metabólicas.

Evidencia-se que mulheres grávidas em uso de TARV são em sua maioria pacientes como baixo nível educacional e socioeconômica; sendo assim, torna-se imperioso o

atendimento e acolhimento dessas pacientes de forma diferenciada, visto que o desconhecimento da gravidade da transmissão vertical pode contribuir para a não aceitação e/ou abando da terapia. Além disso, é mister que todos os profissionais envolvidos no atendimento (equipe multidisciplinar) detenham conhecimentos relacionado a TARV e a TV para a propagação de informações seguras, compreensivas e condizentes.